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A EFETIVIDADE DO TRABALHO PENITENCIÁRIO COMO INSTRUMENTO RESSOCIALIZADOR NO CUMPRIMENTO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

  • Foto do escritor: Fabio Viana
    Fabio Viana
  • 25 de jul.
  • 73 min de leitura

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FABIO LIMA VIANA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A EFETIVIDADE DO TRABALHO PENITENCIÁRIO COMO INSTRUMENTO RESSOCIALIZADOR NO CUMPRIMENTO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO

2025

FABIO LIMA VIANA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A EFETIVIDADE DO TRABALHO PENITENCIÁRIO COMO INSTRUMENTO RESSOCIALIZADOR NO CUMPRIMENTO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Trabalho de conclusão de curso apresentado como exigência parcial para obtenção de título de Pós-Graduação Lato Sensu do Curso de Especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

 

 

 

 

 

 

Orientador: Ms. Dr. Antonio Carlos da Ponte

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO

2025

DEDICATÓRIA

 

 

Dedico o presente trabalho à minha família, por todo apoio em minha caminhada acadêmica e por serem meu alicerce para que eu prossiga e jamais desista dos meus sonhos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AGRADECIMENTOS

 

 

Agradeço à Deus, pela dádiva da vida.

À minha família que sempre acreditou em meu potencial e me forneceu a base para que eu chegasse até aqui.

Em especial, agradeço ao meu orientador por me guiar nesta pesquisa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los. O meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação. (BECCARIA, Cesare)


 

RESUMO

 

 

O presente trabalho tem como objetivo a análise da efetividade do trabalho penitenciário como instrumento ressocializador no cumprimento de pena privativa de liberdade, considerando diversos aspectos, a citar: a função da pena no direito processual penal brasileiro, os desafios existentes na execução penal da pena privativa de liberdade e o panorama atual para ressocialização do condenado. Assim, a ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade por meio do trabalho é um assunto de grande repercussão no direito processual penal brasileiro. A partir do estudo do tema, enfrentou-se a problemática acerca da aplicabilidade dos mecanismos jurídicos e políticas públicas existentes na ressocialização do condenado por meio do trabalho. Com isso, buscou-se, através de uma perspectiva jurídica, as finalidades da pena e as dificuldades institucionais e de implementação de políticas públicas inerentes a ressocialização de condenados. Dessa feita, a verificação conjunta de tais fatores conclui acerca da importância de um estudo contínuo sobre esse tema jurídico, a fim de proporcionar a adoção de medidas eficazes na ressocialização de condenados à pena privativa de liberdade no território nacional.

Palavras-Chave: Ressocialização. Pena Privativa de Liberdade. Trabalho Penitenciário. Políticas Públicas de Ressocialização. Proteção dos Direitos Humanos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


ABSTRACT

 

 

The present work aims to analyze the effectiveness of prison labor as a resocialization tool in serving custodial sentences, considering several aspects, such as: the role of punishment in Brazilian criminal procedural law, the challenges in the criminal execution of custodial sentences, and the current scenario for the resocialization of convicted individuals. Thus, the resocialization of convicted individuals through labor is a subject of great repercussion in Brazilian criminal procedural law. From the study of the subject, the problem of the applicability of existing legal mechanisms and public policies in the resocialization of convicted individuals through labor was addressed. With this, the purpose of punishment and the institutional difficulties and implementation of public policies inherent to the resocialization of convicted individuals were sought from a legal perspective. Thus, the joint verification of such factors concludes about the importance of a continuous study on this legal subject, in order to provide the adoption of effective measures for the resocialization of convicted individuals in the national territory.

Keywords: Resocialization. Deprivation of Liberty Sentence. Prison Work. Public Resocialization Policies. Protection of Human Rights.

 


 

SUMÁRIO

 

 

 

                                                                           


INTRODUÇÃO

 

 

            O tema de estudo refere-se à análise da efetividade do trabalho penitenciário como instrumento ressocializador no cumprimento de pena privativa de liberdade.

O trabalho penitenciário como instrumento ressocializador no cumprimento de pena privativa de liberdade é um assunto de grande repercussão na nova ordem mundial e sob a ótica do direito processual penal brasileiro, apresenta especificidades próprias, considerando o sistema prisional brasileiro e a aplicabilidade de políticas públicas existentes.

            Nesse sentido, enfrentou-se as seguintes problemáticas: (i) Quais são os desafios existentes na efetividade do trabalho penitenciário como instrumento de ressocialização?; (ii) Quais mecanismos jurídicos e políticos estão à disposição dos condenados à pena privativa de liberdade para que lhes seja assegurado seu direito ao trabalho e ressocialização?

            Com isso, buscou-se entender e analisar, através de uma perspectiva jurídica, o sistema processual penal brasileiro adotado, para um melhor entendimento sobre a temática; as dificuldades institucionais e o desafio para implementação de políticas públicas voltadas à ressocialização de condenados; e os institutos internacionais existentes na proteção de direitos humanos do condenado.

            Esta e outras questões serão abordadas com o intuito de compreender e esclarecer o assunto com base na doutrina e no ordenamento jurídico pátrio e na normativa internacional.

            Diante disso, a pesquisa apresenta três capítulos. O primeiro capítulo traz uma análise do direito processual penal brasileiro e a função da pena, mediante uma breve síntese do sistema processual penal brasileiro adotado. Contempla também as finalidades da pena e sua função ressocializadora, bem como objetivos trazidos pela Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP) e enfoque no trabalho.

            O segundo capítulo compreende uma reflexão sobre o sistema prisional brasileiro em face dos direitos humanos, por meio da análise das violações aos direitos humanos dos presos em regime fechado. Verifica-se também a Convenção Americana de Direitos Humanos e a pena de prisão, o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro reconhecido pelo STF e por fim, a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos em face do sistema prisional brasileiro.

            Por fim, o terceiro capítulo avalia, portanto, a efetividade do trabalho no sistema prisional brasileiro, observando-se a função jurídica e social do trabalho e suas consequências no cumprimento da pena privativa de liberdade e as políticas públicas existentes para ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade. Por fim, traz um estudo de caso da efetividade e aplicabilidade do trabalho no sistema prisional brasileiro.

A análise conjunta desses fatores levará a um entendimento esclarecedor sobre a importância de um estudo contínuo sobre esse tema para que medidas sejam adotadas com o intuito de efetivar a ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade por meio do trabalho, de forma a garantir seus direitos fundamentais.

 

 

 

 

 


 

CAPÍTULO 1 O DIREITO PROCESSUAL PENAL E A FUNÇÃO DA PENA

 

 

O direito processual penal brasileiro evoluiu ao longo do tempo, bem como o entendimento acerca da função da pena. Trata-se de ramo do Direito Público que regula a aplicação do Direito Penal por meio do sistema de justiça criminal, sendo a função da pena um de seus aspectos relevantes.

Nessa esteira, no subtítulo 1.1, é realizada a análise por meio de breve síntese do sistema processual penal brasileiro adotado, no subtítulo 1.2 é feita uma explanação acerca das finalidades da pena e sua função ressocializadora e por fim, no subtítulo 1.3 é realizada a análise dos objetivos da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP) e enfoque no trabalho.

 

 

1.1 Breve síntese do sistema processual penal brasileiro adotado

 

 

A princípio, ao verificar a definição de sistema, utilizando-se de uma acepção etimológica, pode-se definir como um determinado conjunto de princípios que resultarão em conclusões coordenadas entre si, se estabelecendo uma doutrina, opinião ou teoria (RANGEL, 2009).

Assim, adentrando acerca do sistema processual penal, tem-se, nas palavras de Rangel (2009, p. 182), que pode ser definido como:

Sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais e processuais, de acordo com o regime político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada caso concreto.

 

Neste contexto, o sistema processual penal evoluiu ao longo do tempo, acompanhando as mudanças ocorridas na sociedade, de forma que se resultou no desenvolvimento de três sistemas processuais penais (RANGEL, 2009).

O primeiro sistema processual penal a ser citado se trata do sistema inquisitório, que segundo Lima (2020, p. 43), pode ser definido como:

[...] um sistema rigoroso, secreto, que adota ilimitadamente a tortura como meio de atingir o esclarecimento dos fatos e de concretizar a finalidade do processo penal. Nele, não há falar em contraditório, pois as funções de acusar, defender e julgar estão reunidas nas mãos do juiz inquisidor, sendo o acusado considerado mero objeto do processo, e não sujeito de direitos. O magistrado, chamado de inquisidor, era a figura do acusador e do juiz ao mesmo tempo, possuindo amplos poderes de investigação e de produção de provas, seja na fase investigatória, seja durante a instrução processual.

 

Nas palavras de Rangel (2009, p. 191), o sistema inquisitório teve sua origem em regimes de monarquia, sendo que o objeto principal deste sistema era a reivindicação por parte do Estado, para deter dos poderes para punir os delitos práticos:

Surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante o direito canônico, passando a ser adotado em quase todas as legislações europeias dos séculos XVI, XVII e XVIII. Surgiu com sustento na afirmativa de que não se poderia deixar que a defesa social dependesse da boa vontade dos particulares, já que eram estes que iniciavam a persecução penal no acusatório privado anterior. O cerne de tal sistema era a reivindicação que o Estado fazia para si do poder de reprimir a prática dos delitos, não sendo mais admissível que tal repressão fosse encomendada ou delegada aos particulares.

 

Ainda, conforme exposto pelo autor Rangel (2009, p. 186), o sistema inquisitório não é visto como uma das melhores soluções para o sistema penal, vez que:

A solução encontrada para fazer cessar a impunidade que grassava na época não foi das melhores,[…] criava-se um monstro que mais tarde deveria ser combatido: o sistema inquisitivo. O avanço das conquistas sociais, no campo dos direitos e das garantias fundamentais, exigiu uma nova postura do Estado, que deveria afastar o juiz da persecução penal, assegurando ao acusado todos os direitos e garantias inerentes ao pleno exercício de sua defesa, principalmente a imparcialidade do órgão julgador.

 

O segundo sistema processual penal é denominado como sistema acusatório. Assim, nas palavras de Lopes Júnior (2008, p. 59), podemos definir o sistema acusatório como:

O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal.

 

Nada obstante, as características do sistema acusatório, segundo Lopes Júnior (2020, p. 57), podem ser sintetizadas como:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as atividades); c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e da social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.

 

Do mesmo modo, Lopes Júnior (2020, p. 58) também caracteriza o sistema acusatório como um imperativo moderno sistema processual penal. Em suas palavras: 

O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que sentenciará, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal. Também conduz a uma maior tranquilidade social, pois se evitam eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz 'apaixonado' pelo resultado de seu labor investigador e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação.

 

Portanto, denota-se que o sistema acusatório é regido pelo princípio da imparcialidade do órgão julgador, se tratando de processo democrático, e em regra, público, possibilitando que a própria sociedade fiscalize os atos processuais praticados, evitando-se práticas abusivas e que possam ferir o princípio da isonomia (LOPES JÚNIOR, 2020).

Para o doutrinador Marques, o sistema acusatório se trata do sistema ideal, considerando que privilegia a imparcialidade do órgão jurisdicional:

Os atos de colaboração, entre os interessados no litígio penal e o juiz, estão subordinados a uma forma procedimental em que não se ponha em risco a imparcialidade do órgão jurisdicional e na qual o jus puniendi do Estado e o direito de liberdade do réu sejam amplamente focalizados e debatidos. Nisto consiste o procedimento acusatório, único modusprocedendi compatível com o verdadeiro processo penal. (MARQUES, 2009, p. 49)

 

Sobre a importância da imparcialidade, o autor Geraldo Prado (2006, p. 137) assim assevera:

Quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador. Desconfiado da culpa do acusado, investe o juiz na direção da introdução de meios de provas que sequer foram considerados pelo órgão de acusação, ao qual nessas circunstâncias, acaba por substituir. Mas do que isso, aqui igualmente se verificará o mesmo tipo de comprometimento psicológico objeto das reservas quanto ao poder do próprio juiz iniciar o processo, na medida que o juiz se fundamentará, normalmente, nos elementos de prova que ele mesmo incorporou ao processo, por considerar importantes para o deslinde da questão. Isso acabará afastando o juiz da desejável posição de seguro distanciamento das partes e de seus interesses contrapostos, posição essa apta a permitir a melhor ponderação e conclusão.

 

Por fim, há ainda que ser citado o sistema misto, que se trata do agrupamento do sistema inquisitivo e acusatório, por meio de duas fases distintas, sendo a primeira, pertencente ao sistema inquisitório e, a segunda, pertencente ao modelo acusatório (LOPES JÚNIOR, 2020).

 Conforme exposto por Lima (2020, p. 45), a primeira fase do sistema misto, não possui publicidade, ampla defesa ou contraditório, sendo realizada uma investigação preliminar e uma instrução probatória, objetivando-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso, ao passo que apenas na segunda fase do sistema misto, quando é formalizada a acusação, é possível se observar os princípios da publicidade, oralidade, isonomia processual e o direito de manifestar-se a defesa depois da acusação (LIMA, 2020).

Nesse sentido defende Nucci (2009, p. 122-124) que:

O sistema adotado no Brasil, embora não oficialmente, é o misto. Registrese desde logo que há dois enfoques: o constitucional e o processual. Em outras palavras, se fôssemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal, poderíamos até dizer que nosso sistema é acusatório. Ocorre que nosso processo penal é regido por Código específico, que data de 1941, elaborado em nítida ótica inquisitiva. Logo, não há como negar o encontro dos dois lados da moeda resultou no hibridismo que temos hoje. [...] Em suma, apesar de haver alteração no Código de Processo Penal, continua ele com o seu caráter misto [...].

 

 

Também nessa linha, leciona Tucci (2002, p. 38), que entende:

O moderno processo penal delineia-se inquisitório, substancialmente, na sua essencialidade; e, formalmente, no tocante ao procedimento desenrolado na segunda fase da persecução penal, delineia-se como um processo de caráter acusatório.

 

Desse modo, o ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema acusatório, na medida em que a Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seu artigo 129, inciso I, atribui ao Ministério Público a titularidade do direito de ação, nos crimes em que se processam mediante ação penal de iniciativa pública, seja condicionada à representação da vítima, seja mediante requisição do Ministro da Justiça ou incondicionada (LOPES JÚNIOR, 2020).

 

 

1.2 As finalidades da pena e sua função ressocializadora

 

 

Ao verificar a função e a razão de existência da pena, tem-se sua vinculação à própria função do direito penal, que visa resguardar determinados bens essenciais e manter o convívio social harmônico e é tido como instrumento de exceção e subsidiário de controle social (DELMANTO, 2007).

Em sua obra, Dos Delitos e Das Penas, Cesare Beccaria (1999, p. 52) já ensinava:

[...] o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já cometido. [...] O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo.

 

Para Michel Foucault (2014, p. 267) a penalidade nada mais é do que uma forma de gerir as ilegalidades ocorridas, também fazendo parte de um mecanismo de dominação social:

Uma maneira de gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, de dar terreno a alguns, de fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar proveito daqueles. Em resumo, a penalidade não ‘’reprimiria’’ pura e simplesmente as ilegalidades; ela as ‘’diferenciaria’’, faria sua ‘’economia’’ geral. E se podemos falar de uma justiça não é só porque a própria lei ou a maneira de aplicá-la servem aos interesses de uma classe, é porque toda a gestão diferencial das ilegalidades por intermédio da penalidade faz parte desses mecanismos de dominação.

 

Nesta esteira, tem-se que as finalidades da pena são observadas através de três teorias distintas, sendo elas: Teoria Absoluta, Teoria Relativa ou Utilitária e Teoria Mista (DELMANTO, 2007).

Assim, para a Teoria Absoluta, a pena tem apenas uma função, que é exercer a vingança pelo mal causado por determinado apenado, sem nenhuma outra finalidade que não seja a punição em si, sendo defendida por Kant e Hegel (DELMANTO, 2007).

Por sua vez, para a Teoria Relativa ou Utilitária, a pena tem com finalidade essencial, a prevenção da prática de novos crimes, de modo que não possui a única finalidade de punição, mas também de evitar que aquele condenado volte a cometer novos crimes, bem como demonstrar para a sociedade como um todo, que referido crime é punido e não deve ser cometido (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2023).

Nas palavras do autor Bitencourt (2011, p.123):

Para as teorias relativas a pena se justifica, não para retribuir o fato delitivo cometido, mas, sim, para prevenir sua prática. Se o castigo ao autor do delito se impõe, segundo a lógica das teorias absolutas, somente porque delinquiu, nas teorias relativas a pena se impõe para que não volte a delinquir. Ou seja, a pena deixa de ser concebida como um fim em si mesmo, sua justificação deixa de estar baseada no fato passado, e passa a ser concebida como meio para o alcance de fins futuros e a estar justificada pela sua necessidade: a prevenção de delitos.

 

Por fim, a Teoria Mista, a pena possui como fins: a retribuição do mal causado pelo indivíduo (Teoria Absoluta) e evitar a prática de novos crimes (Teoria Relativa), de forma que é a teoria adotada no ordenamento jurídico brasileiro, conforme redação do artigo 59 do Código Penal (BRASIL, 1940) (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2023).

Para o autor Santos (2014, p. 428):

[...] a teoria mista busca agrupar os conceitos anteriores da pena de modo a ampliar seus resultados. Dessa maneira, [...] age para retribuir um mal praticado mediante compensação ou expiação da culpabilidade e, ao mesmo tempo, busca a prevenção especial positiva mediante correção do autor pela ação pedagógica, além de intimidar novos criminosos pela ameaça, elemento da teoria preventiva geral negativa, bem como reforçar a confiança no sistema, configurando, por fim, característica da prevenção geral positiva.

 

Assim, adentrando-se especificamente a celeuma principal do presente trabalho, tem-se que a pena no Brasil tem como função, punir o condenado, mas também prevenir que o próprio condenado venha a cometer referido crime novamente ou ainda, que a sociedade como um todo venha a cometer referido crime (DELMANTO, 2007).

E justamente para se evitar a prática de novos crimes, considerando o condenado em si, tem-se a função ressocialização da pena como imprescindível instituto. A respeito da ressocialização, ensina Bittencourt (2011, p. 143):

[...] Do ponto de vista do Direito penal, Bitencourt defende que não se pode atribuir às disciplinas penais a responsabilidade exclusiva de conseguir a completa ressocialização do delinquente, ignorando a existência de outros programas e meios de controle social de que o Estado e a sociedade devem dispor com objetivo ressocializador, como é a família, a escola a igreja etc. A readaptação social abrange uma problemática que transcende o aspecto puramente penal e penitenciário.

 

Sobre a função ressocializadora que a pena detém, ensina Schecaria (2002, p. 146):

A ressocialização, porém, deve ser encarada não no sentido de reeducação do condenado para que este passe a se comportar de acordo com o que a classe detentora do poder deseja, mas sim como reinserção social, isto é, torna-se também finalidade da pena a criação de mecanismos e condições ideais para que o delinquente retorne ao convívio da sociedade sem traumas ou sequelas que impeçam uma vida normal. Sem tais condições, o resultado da aplicação da pena tem sido, invariavelmente, previsível, qual seja, o retorno à criminalidade (reincidência).

 

Sobre as diversas facetas da função ressocializadora da pena, Thompson (2007, p. 97) ensina que:

A ação que se pretende apropriada para transformar o criminoso em não-criminoso suporta vários nomes: recuperação, ressocialização, cura, educação, reeducação, reabilitação, regeneração, emenda e outras tantas, o que parece indicar, por um lado, que ninguém sabe precisar exatamente aquilo que se visa a conseguir, e, de outro lado, que o verdadeiro desígnio a ser alcançado se oculta sob o véu dessa rica prolixidade.

 

Ao tratar da pena privativa de liberdade, tem-se que esta retira o condenado do convívio social, privando-o da liberdade, sendo suas espécies: pena de detenção, reclusão e prisão simples. O autor Nucci (2010, p. 316), assim assevera sobre as espécies de pena:

São as penas de reclusão, detenção e prisão simples. As duas primeiras constituem decorrência da prática de crimes e a terceira é aplicada a contravenções penais. As penas de prisão simples devem ser cumpridas, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semi-aberto ou aberto.

 

Sobre a distinção de entre detenção e reclusão, define Santos (2014, p. 483) que sua principal diferença está em seus regimes de execução e suas atribuições em relação à gravidade dos crimes cometidos:

A diferença principal entre reclusão e detenção refere-se aos regimes de execução: a pena de reclusão, cominada em crimes mais graves, é executada nos regimes fechado, semiaberto e aberto; a pena de detenção, cominada em crimes menos graves, é executada nos regimes semiaberto e aberto – o regime fechado é exceção determinada pela necessidade (art. 33, caput, CP). Diferenças secundárias significativas são as seguintes: a) a medida de segurança aplicada em crimes de reclusão é a de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátricos; em crimes de detenção, é a de tratamento ambulatorial; b) a fiança em crimes de reclusão somente pode ser concedida pelo juiz; em crimes de detenção, pode ser concedida também pela autoridade policial.

 

Ainda é trazido importante reflexão pelo autor Nucci (2010, p. 371), acerca da pena privativa de liberdade e sua função, nos seguintes termos:

O método atual de punição, eleito pelo Direito Penal, que privilegia o encarceramento de delinquentes, não estaria dando resultado e os índices de reincidência estariam extremamente elevados. Por isso, seria preciso buscar e testar novos experimentos no campo penal, pois é sabido que a pena privativa de liberdade não tem resolvido o problema da criminalidade.

 

Assim, para que se possa evitar o fracasso da pena privativa de liberdade, é necessária a ressocialização do condenado, evitando-se o reforço de valores negativos do condenado, mas também garantindo a efetividade de direitos básicos, conforme palavras do autor Prado (2005, p. 590), que relata em sua obra:

Proclama a Lei de Execução penal que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno a convivência em sociedade. [...] Também ao egresso será prestada assistência, que consistira na orientação e apoio para reintegrá-lo a vida em liberdade, além da concessão, se necessário de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequando, pelo prazo de dois meses (art. 25 LEP).

 

Deste modo, a fim de se verificar a função ressocializadora da pena, passa-se a análise dos desafios existentes na execução penal da pena privativa de liberdade no Brasil, a fim de se criar uma exposição frente aos direitos humanos assegurados.


 

1.3 Objetivos da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP) e enfoque no trabalho

 

 

A Lei 7.210/84, de 11 de julho de 1984, conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), trata das condições para o cumprimento da sentença e meios para a reabilitação social do condenado e do internado. A finalidade da lei é disposta em seu artigo 1º: “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Acerca da importância da execução penal como mecanismo de cumprimento da sentença condenatória, assim discorre Mirabete (1992, p. 31): “[...] não há como sustentar a ideia de um Código Penal unitário e leis ou regulamentos regionais de execução penal”.

O autor Nucci (2005, p. 920) também ensina que é a partir da execução da pena, que o Estado promove a função de se evitar novas práticas criminosas, seja por parte do condenado, como por parte da sociedade no geral. E quanto ao condenado, uma das premissas fundamentais da execução penal é justamente a reeducação e ressocialização:

Reprimindo o criminoso, o Estado promove a prevenção geral positiva (demonstra a eficiência do direito penal, sua existência, legitimidade e validade) e geral negativa (intimida a quem pensa em delinquir, mas deixa de fazê-lo para não enfrentar as consequências). Quanto ao sentenciado, objetiva-se a prevenção individual positiva (reeducação e ressocialização, na medida do possível e da sua aceitação), bem como a prevenção individual negativa (recolhe-se, quando for o caso, o delinquente ao cárcere para que não torne a ferir outras vítimas).

 

Para Marques Júnior (2009, p. 6), a Lei de Execução Penal não se limita ao seu caráter administrativo na normatização da execução da pena, mas também traz importantes aspectos para assegurar a vida do condenado:

Embora a LEP também possua um caráter administrativo, sob o aspecto da normatização das funções executivas e judiciárias da administração da pena e do preso, podemos afirmar que – mesmo no processo de punição – a vida do condenado é um direito fundamental a ser protegido pela legislação. Limitada pelos critérios de “direitos e deveres” dos presos, e atendendo às funções da pena, essa proteção busca tanto a punição quanto a ressocialização humanitária.

 

Assim, discorre ainda o autor Marques Júnior (2009, p. 6), que a Lei de Execução Penal traz a vida do condenado como bem jurídico maior a ser protegido, trazendo uma interpretação dos princípios fundamentais e constitucionais que regem o sistema jurídico penal, garantindo-se assim, a integridade física e moral do preso, impossibilidade de penas cruéis e outros mecanismos:

Nesse sentido, entendemos que a LEP tem “a vida do condenado” como o bem jurídico a ser protegido. Essa interpretação parte dos princípios fundamentais e constitucionais, tais como a “integração social do condenado”, a conservação de “todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade”, “respeito à sua integridade física e moral” e a impossibilidade de penas cruéis, que se expressam por meio de legislação de alta e baixa densidade normativa. Ainda que submetido a um processo punitivo e com deveres claramente expressos, o caráter penal de vingança do Estado sobre o condenado deve estar limitado pelos fundamentos jurídicos que objetivam garantir a vida, a reinserção social e a não - dessocialização do condenado.

 

Nas palavras de Mirabete (2008, p. 28): “além de proporcionar condições para a harmônica integração social do preso ou do internado, procura-se no diploma legal não só cuidar do sujeito passivo da execução, como também da defesa social”.

Ainda, tratando especificamente sobre a Lei de Execução Penal, para Ribeiro (2013, p. 9): “a Lei Execução Penal traz em seu bojo mandamentos que buscam a ressocialização do apenado, observando-se a Declaração dos Direitos Humanos”.

Sobre o aspecto ressocializador trazido na Lei de Execução Penal, verifica-se que há grande enfoque em seu bojo, tratando inclusive acerca do trabalho:

A referida Lei é de grande importância para a reintegração do sentenciado, já que a gama de possibilidades de reeducação que propicia, por meio de direitos, deveres, trabalho, tratamento de saúde física, integridade moral, acompanhamento religioso, dentre outros, evitando que o mesmo fique dentro do estabelecimento penal sem nada produzir. (MACHADO, 2008, p. 51)

 

Para Mirabete (2008, p. 63), se a reabilitação social constitui a finalidade principal do sistema de execução penal: “[...] é evidente que os presos devem ter direitos aos serviços de assistência, que para isso devem ser-lhes obrigatoriamente oferecidos, como dever do Estado”.

Adentrando aos dispositivos trazidos pela Lei de Execução Penal - LEP, verifica-se relevância de seu artigo 3º, no que se refere à concessão dos direitos do preso, que assim dispõe:

Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política. (BRASIL, Lei nº 7.210, 1984)

 

Assim, por meio da Lei de Execução Penal – LEP são elencados tipos de assistência a serem fornecidos ao apenado, em diversos âmbitos, como material, saúde, jurídico, educacional, social e religioso (artigos 10 a 25 da LEP), bem como formas de prestação de assistência, por meio de alojamento e alimentação.

Para Santos (1998, p. 29): “reza a lei a partir do seu art.10, que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, estendendo-se ao egresso; e que tal assistência será material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa”.

Deste modo, dispõe referida norma:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:

I - material;

II - à saúde;

III -jurídica;

IV - educacional;

V - social;

VI - religiosa.

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

§ 1º (Vetado).

§ 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.

§ 3º Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.

§ 4º Será assegurado tratamento humanitário à mulher grávida durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como à mulher no período de puerpério, cabendo ao poder público promover a assistência integral à sua saúde e à do recém-nascido.

Art. 15. A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros para constituir advogado.

Art. 16.  As Unidades da Federação deverão ter serviços de assistência jurídica, integral e gratuita, pela Defensoria Pública, dentro e fora dos estabelecimentos penais

§ 1º As Unidades da Federação deverão prestar auxílio estrutural, pessoal e material à Defensoria Pública, no exercício de suas funções, dentro e fora dos estabelecimentos penais.

§ 2º Em todos os estabelecimentos penais, haverá local apropriado destinado ao atendimento pelo Defensor Público.

 § 3º Fora dos estabelecimentos penais, serão implementados Núcleos Especializados da Defensoria Pública para a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos réus, sentenciados em liberdade, egressos e seus familiares, sem recursos financeiros para constituir advogado.

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.

Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.

Art. 18-A.  O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao preceito constitucional de sua universalização.

§ 1º O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e municipal de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da União, não só com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual de justiça ou administração penitenciária.

§ 2º Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos supletivos de educação de jovens e adultos.

§ 3º A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus programas de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino, o atendimento aos presos e às presas.

Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.

Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição.

Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.

Art.  21-A. O censo penitenciário deverá apurar:

I - o nível de escolaridade dos presos e das presas;

II - a existência de cursos nos níveis fundamental e médio e o número de presos e presas atendidos;

III - a implementação de cursos profissionais em nível de iniciação ou aperfeiçoamento técnico e o número de presos e presas atendidos;

IV - a existência de bibliotecas e as condições de seu acervo;

V - outros dados relevantes para o aprimoramento educacional de presos e presas.

Art. 22. A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade.

Art. 23. Incumbe ao serviço de assistência social:

I - conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames;

II - relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido;

III - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias;

IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação;

V - promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade;

VI - providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da Previdência Social e do seguro por acidente no trabalho;

VII - orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima.

Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.

§ 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos.

§ 2º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa.

Art. 25. A assistência ao egresso consiste:

I - na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade;

II - na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses.

Parágrafo único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma única vez, comprovado, por declaração do assistente social, o empenho na obtenção de emprego. (BRASIL, Lei nº 7.210, 1984)

 

Ao verificarmos o direito à saúde, elencado no artigo 14 da Lei de Execução Penal, tem-se, nas palavras do autor Mirabete (2008, p. 69) que: “[...] constitui hoje necessidade indeclinável a Administração manter a saúde dos presos e internados e atendê-los em caso de enfermidade, procurando um adequado regime sanitário nos estabelecimentos”.

Também é trazido como direito do preso, a assistência judiciária (artigos 15 e 16 da Lei de Execução Penal), que nas palavras de Mirabete (2008, p. 72):

A adequada assistência jurídica é de evidente importância para a população carcerária. Nos casos em que há ação penal em andamento, o advogado pode interferir diretamente no andamento do processo.

 

Nos artigos 17 a 21 observa-se que foi disposto o direito à educação, de forma que segundo o autor Mirabete (2008, p. 75): “a assistência educacional deve ser uma das prestações básicas mais importantes não só para o home livre, mas também aquele que está preso”.

Acerca dos artigos 22 e 23 da Lei de Execução Penal, que assegura o direito à assistência social, discorre o autor Ribeiro (2013, p. 10) sobre sua importância:

Além da importância dada à educação e ao trabalho no processo de ressocialização dos presos, o art. 22 da LEP traz, ainda, a relevância da garantia de assistência social, a qual objetiva amparar e preparar o preso e o internato para o retorno ao convívio social, sem que reincidam em novas condutas típicas.

 

Nada obstante, no artigo 24, verifica-se a previsão do direito à assistência religiosa, sendo que referido instituto sofreu modificações e avanços ao longo do tempo, buscando abarcar tal direito:

A primeira delas é a assistência religiosa ou moral, que era o único fim do internamento nos primeiros tempos da existência das penas privativas de liberdade, tendo a aspiração reformadora com base em leituras bíblicas e meditação ocupado lugar importante nas prisões eclesiásticas e nos primeiros sistemas penitenciários. (MIRABETE, 2008, p. 65)

 

De igual modo, o artigo 41 da Lei de Execução Penal, também se trata de normativa de extrema relevância e enfoque desta pesquisa, trazendo direitos a serem assegurados ao preso, incluindo a atribuição do trabalho penicentiário e sua remuneração. Conforme ensina o autor Santos (1998, p. 26):

Estão definidos no artigo 41 da LEP, em quinze incisos, que reúnem um amplo aspecto de garantias, a saber: alimentação suficiente e vestuário, atribuição do trabalho e sua remuneração, previdência social, constituição de pecúlio, proteção contra qualquer forma de sensacionalismo, entrevista pessoal e reservada com o advogado, e assim, por diante.

 

Nesta esteira, dispõe o artigo 41 da Lei de Execução Penal, que constituem direitos do preso:

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.

§ 1º Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do juiz da execução penal.

§ 2º O preso condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), não poderá usufruir do direito previsto no inciso X em relação à visita íntima ou conjugal. (BRASIL, Lei nº 7.210, 1984)

 

Sobre o direito à alimentação e vestuário, assegurado pelo artigo 41, inciso I da Lei de Execução Penal, ensina o autor Mirabete (2008, p. 66) que se trata de: “[...] um dos direitos do preso, aliás, é a alimentação suficiente e vestuário, que corre a cargo do Estado (artigo 41, I, da LEP), ainda que se permita as vezes o envio de pacotes de comida do exterior”.

No entanto, em que pese a Lei de Execução Penal tenha abarcado todos esses direitos ao condenado, inclusive o direito ao trabalho penitenciário, o que se observa no campo fático é um cenário totalmente diverso da norma posta. Para o autor Marques Júnior (2009, p. 6), a Lei de Execução Penal está longe de ser totalmente implementada em nosso sistema jurídico:

No interior de uma retórica encontrada no campo, recorrente e nomeada como “juridicamente ideal”, a LEP é avaliada pelos juízes e promotores como uma lei de “primeiro mundo” (Promotor H. e Juiz N.)3, ou como uma “coisa para a Suíça” (Juiz A.), mas que não tem aplicação efetiva na nossa realidade de terceiro mundo. Essas afirmações aparecem como elogio, crítica e evasão. Elogio, pelo seu caráter de norma ideal que congrega punição, humanidade, ressocialização e reinserção do preso na sociedade. Crítica, por entenderem que é muito benéfica e branda (Juiz F. e Juiz X.). Evasão, pela sua inviabilidade prática, econômica e pela responsabilização atribuída ao poder Executivo. De modo geral, pudemos perceber que a LEP é interpretada pelos juízes e promotores como se fosse – parafraseando Roberto Schwarz (2000) – uma “ideia fora de lugar”.

 

Assim, o que se tem na prática é o descompasso entre a norma (Lei de Execução Penal) e a realidade carcerária enfrentada, em um sistema que apenas pune, sem se ater ao aspecto necessário da ressocialização.

Segundo o Juiz A., a realidade brasileira não permite que se atinja o caráter de ressocialização da pena, e o que existe é somente o lado punitivo em um contexto imoral. Juiz K. entende que a recuperação é um ato, uma possibilidade que está no indivíduo, que depende dele, mas não das condições da instituição. Pelo contrário, “a instituição os transforma em animais”: “Estrutura punitiva tem! Mas a finalidade da pena fica somente na punição, não atingindo os objetivos de ressocialização ou reinserção social”. E explicando esse funcionamento punitivo, Juiz N. interpreta-o como uma resposta a necessidades políticas: “A condenação é infrutífera, é como um fazer de conta que funciona, sendo que, na verdade, vai piorar [...]. O que existe é uma hipocrisia política. É como se estivéssemos vivendo de mentiras, de satisfações políticas”. (MARQUES JÚNIOR, 2009, p. 7)

 

Assim, Marques Júnior (2009, p. 7), ainda afirma que: “[...] percebe-se não somente um descompasso entre a LEP e realidade carcerária, mas também que o entendimento sobre a LEP fica desvalorizado frente às questões de Direito Penal.”

Para o autor Marques Júnior (2009, p. 7), o que se observa é um conjunto de dificuldades que acabam por interferir na efetividade da Lei de Execução Penal. Em suas palavras:

De modo geral, surgem várias dificuldades quanto à efetividade das normas ideais de “dever ser” expressas pela LEP. Na aplicação restrita do caráter da pena, que se atém exclusivamente ao seu caráter punitivo, criando uma “ficção de reeducação”, a recuperação do preso resulta das suas características individuais, e não de uma política institucional. No plano procedimental e doutrinário, há falta de uniformização e orientação superior, deixando a cargo dos(as) juízes(as) a criação de critérios mais específicos, além da falta de material doutrinário4, de jurisprudência e de regras claras de procedimento. E, finalmente, na assistência jurídica, as dificuldades orçamentárias das famílias após a fase de sentença unem-se às incoerências estruturais do convênio com a OAB, impedindo uma assistência jurídica efetiva.

 

Para o autor Nucci (2005, p. 919), a omissão do Estado quanto à situação do sistema carcerário brasileiro, acaba por agravar a inefetividade da Lei de Execução Penal, o que ocasiona na ausência de humanização ao cumprimento da pena:

Na prática, no entanto, lamentavelmente, o Estado tem dado pouca atenção ao sistema carcerário, nas últimas décadas, deixando de lado a necessária humanização do cumprimento da pena, em especial no tocante à privativa de liberdade, permitindo que muitos presídios se tenham transformado em autênticas masmorras, bem distantes do respeito à integridade física e moral dos presos, direito constitucionalmente imposto.

 

Marques Júnior (2009, p. 10), entende que a prática da Lei de Execução Penal acaba por falhar, na medida em que o que se observa é a prioridade dada à punição e ao castigo, em detrimento da efetiva ressocialização e reeducação do condenado:

Encontramos uma prática judicial que explora as regras possíveis que levam à punição e ao castigo, enquanto deixa na nota de rodapé as regras de “dever ser” que imporiam práticas de ressocialização, reeducação e de controle efetivo do ambiente carcerário pelo Estado.

 

Constata-se, assim, que é imprescindível a necessidade de o Estado cumprir as normas estabelecidas na lei, evidenciando que a Lei de Execução Penal, em seu artigo 10, estabelece que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade, ao passo que seu artigo 41 assegura o direito ao trabalho penitenciário como forma de ressocialização.

No entanto, ainda que a legislação pátria assegure tais direitos, sua efetividade apenas poderá se dar no campo fático. Dessa feita, imprescindível se faz a análise e pesquisa acerca do sistema prisional brasileiro em face dos direitos humanos, sendo que referida análise é foco do capítulo subsequente.

 


 

CAPÍTULO 2 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS

 

 

A fim de se verificar os desafios enfrentados na ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade sob a ótica do direito processual penal brasileiro, faz-se necessária a análise do sistema prisional brasileiro em face dos direitos humanos.

Dessa forma, este presente capítulo é responsável por analisar: (i) as violações aos direitos humanos dos presos em regime fechado; (ii) a Convenção Americana de Direitos Humanos e a pena de prisão; e (iii) o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro reconhecido pelo STF e a Atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Assim, de rigor é a verificação de tais questões e seus principais aspectos práticos.

 

 

2.1 As violações aos direitos humanos dos presos em regime fechado

 

 

Em um primeiro momento, cumpre esclarecer acerca da proteção conferida por meio dos direitos humanos, a fim de que se possa verificar as efetivas violações ocorridas no cumprimento de pena em regime fechado.

A proteção aos direitos humanos pode ser subdivida em dois sistemas distintos, porém complementares. Em um primeiro momento, observa-se a ascensão dos direitos humanos em âmbito internacional, caracterizando-se assim, como o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos.

Neste sentido, explica Flávia Piovesan (2014, p. 47):

Neste cenário, a Declaração de 1948 vem a inovar ao introduzir a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, esta como valor intrínseco à condição humana.

 

Em um segundo momento, há o reconhecimento de tais direitos em âmbito interno, surgindo assim, os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos (MAZZUOLI, 2014).

Acerca dos direitos humanos a serem resguardados ao condenado, Assis (2007, p. 4) assevera que sua proteção jurídica se encontra respaldada tanto em âmbito interno, como a nível internacional:

As garantias legais previstas durante a execução da pena, assim como os direitos humanos do preso estão previstos em diversos estatutos legais. Em nível mundial existem várias convenções como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso. Já em nível nacional, nossa Carta Magna reservou 32 incisos do artigo 5º, que trata das garantias fundamentais do cidadão, destinados à proteção das garantias do homem preso. Existe ainda em legislação específica - a Lei de Execução Penal - os incisos de I a XV do artigo 41, que dispõe sobre os direitos infraconstitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer na execução penal.

 

Adentrando aos direitos humanos internalizados pela Constituição Federal da República Federativa Brasil, tem-se que o artigo 5º, XLIX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), prevê que “[...] é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Para tanto, deve o Estado garantir a execução da lei penal, de forma que resguarde os direitos fundamentais dos condenados.

O Código Penal (BRASIL, 1940), em seu artigo. 38 dispõe que o “[...] preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral“.

No entanto, o que se observa no campo fático, é que, embora o sistema prisional seja, em teoria, apresentado como sendo de natureza igualitária, sua função acaba por ser desvirtuada, resultando em um caráter eminentemente seletivo, o que resta comprovado estatística e estruturalmente, sendo direcionado às camadas menos favorecidas da sociedade (ASSIS, 2007).

Conforme aponta o doutrinador Mirabete (2008, p. 89), o sistema penitenciário brasileiro encontra-se em espécie de falência, vez que não cumpre com sua função primordial, qual seja, a ressocialização:

A falência de nosso sistema carcerário tem sido apontada, acertadamente, como uma das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, que, hipocritamente, envia condenados para penitenciárias, com a apregoada finalidade de reabilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e, provavelmente, com maior desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação ao que o conduziu ao cárcere.

 

Assim, fato é que o sistema prisional brasileiro apresenta diversos problemas que violam os direitos humanos, a citar: a superlotação dos presídios, condições desumanas como falta de acesso à saúde e higiene básica, ausência da perspectiva de ressocialização, entre outros (ASSIS, 2007).

Para definir um estado de superlotação de presídios, há que se considerar a relação entre o número de pessoas ocupantes de uma cela e a respectiva fração de metragem destinada a cada indivíduo ocupante (BATISTA, 2017). Ainda, acerca do tema, discorre o autor Batista (2017, p.32):

 A situação da superlotação de presídios é uma verdadeira afronta aos direitos e garantias individuais do recluso, mais do que isso os presos não são respeitados dentro ou fora do ambiente carcerário, não são tratados como pessoas humanas pela sociedade, são sim coisas amontoadas em um verdadeiro campo de concentração.

 

Para a autora Rodriguez (2015, p.18):

A superlotação é, portanto, uma violação aos direitos humanos, já que pode chegar a constituir uma forma de trato cruel, desumano e degradante, vulnera o direito à integridade pessoal e outros direitos humanos reconhecidos internacionalmente.

 

O que se observa é que, no Brasil as celas possuem metragens pequenas, não possibilitando a dignidade de sequer cinco detentos, ao passo que na prática, são ocupadas por até vinte detentos ou mais (RODRIGUEZ, 2015). Conforme dados do estudo “Sistema Prisional em Números”, publicado em 2019, a taxa de superlotação carcerária no sistema prisional brasileiro correspondente a 166%.[1]

Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o número total de presos em território nacional, no ano de 2016, era de 726.712 mil pessoas para um sistema carcerário que deveria abrigar no máximo 368.049 mil presos. Ou seja, a taxa de ocupação do cenário é de 197,4%.[2]

Assim, a superlotação dos presídios acaba por desencadear outras violações de direitos humanos, como por exemplo, a falta de acesso à saúde e higiene básica. O que se observa é que as celas se encontram em situações de má-conservação, não possuem sanitários adequados e espaços reservados para alimentação, o que acaba por proliferar doenças em uma escala de extrema rapidez (BATISTA, 2017).

Nada obstante, há ainda relatos de tortura praticadas pelos agentes penitenciários, em tentativas (desumanas) de manter certa “ordem institucional”, bem como em ausência de suporte à integridade física e moral do condenado, que também lida com diversos abusos por partes de outros condenados (BATISTA, 2017).

Com relação aos cárceres, Erving Goffman (1974, p. 17-18) traz um importante paralelo com as instituições totalitárias, transcorrendo da seguinte forma: 

Em primeiro lugar, todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob uma única autoridade. Em segundo lugar, cada fase da atividade diária do participante é realizada na companha imediata de um grupo relativamente grande de outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em conjunto. Em terceiro lugar, todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários, pois uma atividade leva, em tempo predeterminado, à seguinte, e toda a sequência de atividades é imposta de cima, por um sistema de regras formais explícitas e um grupo de funcionários. Finalmente, as várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único, supostamente planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição.

 

Cria-se, portanto, um ambiente extremamente hostil e controlador que, segundo Bitencourt (2011, p. 173), faz do detento um sujeito passivo, que dependem totalmente da instituição para que suas necessidades sejam supridas:

Na instituição total, geralmente, não se permite que o interno seja responsável por alguma iniciativa, e o que interessa efetivamente é a sua adesão às regras do sistema penitenciário. A passividade do interno, convertida em ‘’pautas’’ normais de comportamento, é o resultado natural que a instituição total produz. É mais uma razão a demonstrar a impossibilidade da ressocialização do delinquente pelo internamento.

 

Para o autor Chapman (2002, p.12), o que se observa nos cárceres é sua total discrepância com aspectos da vida civil, o que acaba por fazer do preso um cidadão à parte da vida em sociedade:

Na vida civil, o cidadão é, geralmente, membro de uma família, de um grupo laboral, de um grupo de vizinhança, de uma comunidade local, que apresentam grande variação de interesses grupais, uma variação completa de idade e uma variedade infinita de ligações sociais. A maioria dos adultos tem relações sociossexuais de um padrão permanente, contínuo e, usualmente, heterossexuais. Na prisão, em contraste, as relações sociais são temporárias (pela duração da sentença) e compulsórias (geralmente, baseadas na residência em uma cela, bloco de celas ou pátio e no local de trabalho, embora algumas prisões os interesses grupais possam desenvolver-se). A variação de idade é estreita e as relações sociossexuais são, exclusivamente, homossexuais.

 

Dessa feita, ao realizar um diagnóstico da pena privativa de liberdade no Brasil, Bitencourt (2011, p. 163-164) expõe como seguintes violações aos direitos humanos que são perpetuadas diariamente:

Maus-tratos verbais (insultos, grosserias etc.) ou de fato [...]; superpopulação carcerária, o que também leva a uma drástica redução do aproveitamento de outras atividades que o centro penal deve proporcionar [...]; falta de higiene (grande quantidade de insetos e parasitas, sujeiras e imundícies nas celas, corredores, cozinhas); condições deficientes de trabalho [...]; deficiência dos serviços médicos, que pode chegar, inclusive, a sua absoluta inexistência; assistência psiquiátrica deficiente ou abusiva [...]; regime alimentar deficiente.

 

Para o autor Rodrigues (2020), as violações aos direitos humanos dos presos em regime fechado são claras e ainda acabam por acarretar diversos outros problemas na sociedade, a citar:

A violação dos direitos humanos fundamentais cometida por membros do sistema penitenciário constituí uma afronta aos princípios constitucionais e à Declaração Universal dos Direitos Humanos. As vítimas são os presos e seus parentes, geralmente pessoas pobres sem influência econômica, social ou política, que são detidos como acusados ​​ou suspeitos de crimes e que geralmente têm dificuldade em acessar a justiça por falta de informação e / ou instrução. As violações dos direitos humanos têm inibido o desenvolvimento de investigações criminais científicas. Várias regras argumentam que os presos devem ser tratados com dignidade e respeito e não devem ser submetidos a tortura ou tratamento cruel. A prática de violação de direitos gera descrença na recuperação de presos, nas instituições e nas políticas de segurança pública. O treinamento e o aprimoramento dos profissionais de segurança prisional são importantes para que eles percebam que são garantidores de direitos, que devem cumprir e fazer cumprir as leis, tratados e convenções de Direitos Humanos. A prisão deve ser um ambiente humanizado, com respeito aos direitos fundamentais, e a punição não deve ser uma maneira de agravar o sofrimento do prisioneiro. Deve haver maior participação e controle social junto às ouvidorias e corregedorias. É importante que exista confiança social nos órgãos e agentes penitenciários, a fim de serem mais eficazes na prevenção de crimes e na proteção dos direitos dos presos.

 

O que se observa, portanto, é um sistema penitenciário que prende em massa, sem assegurar a dignidade da pessoa humana em seus aspectos mais básicos, criando uma sociedade marginalizada e que sobrevive mediante suas próprias regras, como forma de sobrevivência (ASSIS, 2007).

Ainda, verifica-se um processo criminológico frequente, em que implica na dessocialização do detento, que recebe um estímulo forte para rejeitar, de forma definitiva, as normas admitidas pela sociedade exterior, cada vez se aliciando mais ao mundo criminoso como forma de sobrevivência (BITENCOURT, 2011).

Acerca dos efeitos psicológicos que o ambiente pode desencadear nos presos, Bitencourt (2011, p. 214) assevera que: 

A ausência de verdadeiras relações humanas, a insuficiência ou mesmo ausência de trabalho, o trato frio e impessoal dos funcionários penitenciários, todos esses fatores contribuem para que a prisão converta-se em meio de isolamento crônico e odioso. As prisões que atualmente adotam o regime fechado, dito de segurança máxima, com total desvinculação da sociedade, produzem graves perturbações psíquicas aos reclusos, que não se adaptam ao desumano isolamento. A prisão violenta o estado emocional, e, apesar das diferenças psicológicas entre as pessoas, pode-se afirmar que todos que entram na prisão – em maior ou menor grau – encontram-se propensos a algum tipo de reação carcerária.

 

Assim, feita essa explanação, passa-se a análise da Convenção Americana de Direitos Humanos e sua aplicabilidade na pena de prisão.

 

 

2.2 A Convenção Americana de Direitos Humanos e a pena de prisão

 

 

À frente da iminente realidade de violação de direitos humanos de condenados à pena privativa de liberdade, em âmbito internacional, há a Convenção Americana de Direitos Humanos, também chamada Pacto de San José da Costa Rica, promulgada no ano 1969, que reconhece em seu preâmbulo que “[...] os direitos essenciais do homem não nascem do fato de ser nacional de determinado Estado, senão que tem como fundamento os atributos da pessoa humana, razão pela qual justificam uma proteção internacional”.

Acerca da importância da Convenção Americana de Direitos Humanos, dispõe Alarcón (2017):

A Convenção Americana de Direitos Humanos é a peça fundamental do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Entrou em vigor em 18 de julho e 1978. Seu conteúdo consiste em um catálogo de direitos e obrigações que condensam os valores e fins mais elevados em termos de respeito à condição humana, bem como na criação e determinação de competências e fins de uma estrutura organizacional que compreende a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direito Humanos (CIDH).

 

Para Alvarenga (2020, p. 12), o papel atribuído à Convenção Americana de Direitos Humanos é incontestável, sendo o principal tratado internacional que assegura a proteção a todas as classificações de direitos humanos, sejam civis, políticos, econômicos, sociais e culturais:

[...] destacando a importância e o papel que foi atribuído à Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), como o principal tratado internacional desse sistema regional, em assegurar a proteção a todas as categorias de Direitos Humanos, sejam eles civis e políticos, sejam econômicos, sociais e culturais. Por meio dessa Convenção, os Estados Partes comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. Diante disso, torna-se necessário destacar o estudo acerca do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, bem como da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), tendo em vista a necessidade de se assegurar a afirmação da relevância da pessoa humana em âmbito mundial.

 

Nas palavras de Rodrigues (2020), o Pacto de San José da Costa Rica de 1969 está entre um dos documentos internacionais de maior importância para reafirmar direitos humanos outrora violados:

Outros  documentos  internacionais  importantes  foram  o  Pacto  dos  Direitos Civis  e  Políticos  e  o  Pacto  dos  Direitos  Sociais  e  Econômicos  em  1966,  e  ainda  a Convenção  Americana de  Direitos  Humanos,  Pacto  de  San  José  da  Costa  Rica  em 1969,  que  visavam  uma  tentativa  política  de  reafirmar  direitos  que  eram  violados pelos mesmos dirigentes que diziam defendê-los.

 

Ao verificar a aplicação do Pacto de San José em âmbito interno de cada um dos países signatários, tem-se, nas palavras de Alarcón (2017):

Pois bem, logo da ratificação ou adesão, a tarefa de interpretar cada um dos direitos estabelecidos na Convenção e articular seu sentido protetivo com aquele que regularmente se encontra nas constituições dos Estados constitui um ato de diligência doutrinária e jurisprudencial. O exercício hermenêutico tem como base as balizas dos artigos 29, 30 e 31 da própria Convenção, que determinam as regras gerais de interpretação e o alcance de possíveis restrições e de reconhecimento de outros direitos.  

 

Concernente à entrada em vigor da Convenção Americana de Direitos Humanos, Piovesan (2014, p. 311) assevera que:

[...] em 1978, quando a Convenção Americana de Direitos Humanos entrou em vigor, muitos dos Estados da América Central e do Sul eram governados por Ditaduras, tanto de direita, como de esquerda. Dos 11 Estados partes da Convenção à época, menos da metade tinha governos eleitos democraticamente. A outra metade dos Estados havia ratificado a Convenção por diversas razões de natureza política. [...] Ao longo dos anos, contudo, houve uma mudança gradativa no regime político das Américas, tornando possível para o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos ter uma importância cada vez maior. O fato de hoje quase a totalidade dos Estados latino-americanos na região, com exceção de Cuba, terem governos eleitos democraticamente tem produzido significativos avanços na situação dos direitos humanos nesses Estados.

 

Tem-se ainda, que a assinatura da convenção pelo Brasil ocorreu na vigência da Constituição de 1967, e a sua ratificação se deu sob a Constituição Federal de 1988 e, apesar da convergência entre os direitos estabelecidos nas normas constitucionais e no Pacto de San José, alguns pontos precisaram ser pacificados nos tribunais superiores (ALARCÓN, 2017).

Deste modo, no julgamento do RE 466.343, com repercussão geral (Tema nº 60), os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram que os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos, se não incorporados como emenda constitucional, têm natureza de normas supralegais, paralisando, assim, a eficácia de todo o ordenamento infraconstitucional em sentido contrário (PIOVESAN, 2014).

Cumpre ainda ressaltar que, por meio da aplicação do Pacto de San José, foi originada a Súmula nº 419/STJ, na qual dispõe: “descabe a prisão civil do depositário judicial infiel”.

Nada obstante, há a decisão do Habeas Corpus nº 82.424 de 19 de março de 2004, no qual o STF determinou a manutenção de prisão imposta por Tribunal de Justiça de Rio Grande do Sul por racismo, a partir de argumentos que limitam a liberdade de expressão, com fundamento na Constituição Federal, o Direito Comparado e as Convenções Internacionais (ALARCÓN, 2017).

Assim, a Convenção Americana de Direitos Humanos, estabelece direitos que se aplicam à pena de prisão e que devem ser objeto de aplicação por parte de todos os países signatários, como: 

Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com respeito e dignidade. 

Os processados devem ser separados dos condenados, exceto em situações excepcionais. 

Os menores devem ser separados dos adultos e encaminhados a um tribunal especializado. 

As penas privativas de liberdade devem ter como objetivo a reforma e a readaptação social dos condenados. 

Não é permitida a aplicação de pena de morte em delitos políticos ou em delitos comuns relacionados com delitos políticos. 

Não é permitida a aplicação de pena de morte a menores de 18 anos, a pessoas com mais de 70 anos ou a mulheres grávidas. 

O acusado tem direito a ser assistido por um defensor do Estado e a exigir que o processo seja sigiloso.

 

Segundo Mazzuoli (2014, p. 22) a “[...] base da convenção está em seus dois primeiros artigos”, que tratam da obrigação de respeitar os direitos e garantias de todo indivíduo.

Assim, conforme palavras do autor Alarcón (2017), o Pacto de San José traz um importante conjunto de normas para garantias de direitos humanos para aqueles que se encontram em privação de liberdade, podendo-se citar, a garantia do juiz natural, imparcialidade dos julgamentos, impossibilidade de prisão arbitrária, entre outros:

A Convenção reafirma a seguir, nos artigos 7º e 8º, intitulados respectivamente “Direito à liberdade pessoal” de “garantias Judiciais”, a concepção de um ser humano livre, autónomo, um fim em si mesmo.   Por isso os artigos em conjunto abordam garantias como a necessidade de que a privação da liberdade de uma pessoa seja o resultado de condições constitucionais e legais, resistindo, portanto, a qualquer possibilidade de prisão arbitrária. Igualmente encontramos os postulados históricos de ser conduzida à presença do juiz natural, é dizer, do juiz competente, independente e imparcial, incluindo, ainda, o direito de ser julgado em prazo razoável (artigo 7º.5. e 8º. 1.).

 

Outro mecanismo de importante relevância é o direito ao habeas corpus, consagrado no numeral 6 do artigo 7º do Pacto de San José, que assim dispõe:

Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais.

 

 Portanto, incontroversa é a importância do Pacto de San José na proteção dos direitos humanos conferidos aos condenados à penas privativas de liberdade, visto que define de forma clara, os direitos que devem ser assegurados em âmbito interno dos países signatários.

Desta feita, passa-se à análise do “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro reconhecido pelo STF.

 

 

2.3 O “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro reconhecido pelo STF e a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos

 

 

O direito internacional estabelece os direitos humanos que devem ser resguardados e efetivados pelos Estados, por meio de suas legislações internas, ao passo que os Estados assumem obrigações e deveres na salvaguarda de direitos humanos no campo fático:

Os Estados assumem as obrigações e deveres, de acordo com o direito internacional, respeitar, proteger e executar os direitos humanos. A obrigação do respeito significa que os Estados devem abster-se de interferir no gozo dos direitos humanos ou limitá-los. A obrigação de protegê-los exige que os Estados impeçam o abuso dos direitos humanos contra os indivíduos e grupos. A obrigação de executá-los implica que os Estados devem tomar medidas para facilitar o gozo dos direitos humanos básicos. (ESPINA, 2019, p. 8)

 

No entanto, em que pese a dignidade da pessoa humana e sua liberdade encontrem-se garantidas por meio dos direitos humanos (nível internacional) e direitos fundamentais (nível interno dos Estados), tem-se que apenas a regra por si só, é insuficiente para assegurar sua efetividade nos órgãos executivos (no caso, podendo-se citar, as penitenciárias) (ESPINA, 2019).

Nesta seara, verifica-se que “[...] os Estados devem garantir sua proteção e cumprimento, tanto, para as pessoas livres, como para aquelas privadas de liberdade por sentença condenatória transitada em julgado” (ESPINA, 2019, p. 8).

Assim, em âmbito internacional, em 17 de dezembro de 2015, foram aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas as Regras Mínimas das Nações Unidas para o tratamento dos presos, também chamadas, regras Nelson Mandela.

A primeira regra estabelecida pelas Regras Mandela, se trata de que: “Todos os presos serão tratados com o respeito que merecem, resguardada sua dignidade e valores intrínsecos enquanto seres humanos. Nenhum preso será submetido a torturas e nem outros tratos com penas cruéis, desumanas e humilhantes [...]”.

Deste modo, tem-se que o "Estado de Coisas Inconstitucional" (ECI) é uma teoria desenvolvida pela Corte Constitucional da Colômbia (CCC), sendo um mecanismo jurídico que caracteriza situações que violam de forma generalizada e persistente os direitos fundamentais (ESPINA, 2019, p. 9).

Verificando especificamente no caso do Brasil, frente aos direitos humanos assegurados e a violação nos presídios brasileiros, o “Estado de Coisas Inconstitucional” se denota presente:

A violação aos Direitos Humanos traz como consequência que ambos os Estados, Brasil e Chile, se encontrem em situação de inconstitucionalidade, pelo descumprimento de suas próprias normativas, não só pelos altos níveis de superlotação existentes, mas também por diversos outros problemas, tais como: falta de acesso aos banheiros, inexistência de camas para todos os presos, muitas horas sem fornecer alimentação, que podem chegar a ser até quinze horas em alguns centros,9 e até pelo risco à vida e a integridade das pessoas privadas de liberdade, como será  provado neste trabalho, para citar apenas alguns exemplos de práticas reprováveis. (ESPINA, 2019, p. 10)

 

E, justamente diante de tais violações à direitos humanos presentes no sistema carcerário brasileiro, é que houve o reconhecimento da superlotação carcerária como um problema estrutural, conforme afirmado pelo Supremo Tribunal Federal - STF ao declarar o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema penitenciário no julgamento da ADPF nº 347, em 2005.

A partir do surgimento de novos atores e instituições no contexto interno e externo, as funções antes exclusivamente desempenhadas pelo Estado passaram a ser exercidas por membros da sociedade civil, por organizações internacionais, por empresas privadas e por governos subnacionais.

 

Na resolução da ADPF nº 347, do ano 2005, conforme voto do Exmo. Min. Marco Aurélio:

[...] Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no sistema prisional brasileiro ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, a higidez física e a integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância pelo Estado da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se “lixo digno do pior tratamento possível”, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. (ADPF 347, rel. Min. Marco Aurélio. J. 09/09/2015)

 

Assim, o Exmo. Min. Marco Aurélio ainda expõe que o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema carcerário brasileiro é evidente, diante de tantas violações à direitos humanos (internalizados inclusive como direitos fundamentais):

Nesse contexto, diversos dispositivos contendo normas nucleares do programa objeto de direitos fundamentais da Constituição Federal, são ofendidos: o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III); a proibição de tortura e tratamento desumano ou degradante de seres humanos (artigo 5º, inciso III); a vedação da aplicação de penas cruéis (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”); o dever estatal de viabilizar o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e sexo do apenado (artigo 5º, inciso XLVIII); a segurança dos presos à integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX); e os direitos à saúde, educação, alimentação, trabalho, previdência e assistência social (artigo 6º) e à assistência judiciária (artigo 5º, inciso LXXIV). (ADPF 347, rel. Min. Marco Aurélio. J. 09/09/2015)

 

Ainda, sobre a questão da superlotação das penitenciárias, sua violação aos direitos humanos é evidenciada também no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que nas palavras da autora Rangel assim expõe:

A Corte Interamericana de Direitos Humanos apontou que dentro das condições da prisão, em que as pessoas privadas de liberdade devem viver e que devem ser garantidos pelo Estado, a superlotação “constitui em si uma violação da integridade pessoal e, além disso, dificulta o desempenho normal de funções essenciais nas prisões. (RANGEL, 2014)

 

Assim, diante da declaração do “Estado de Coisas Inconstitucional”, verifica-se como consequência prática a permissão para que o Poder Judiciário dialogue com os demais Poderes, estipulando e acompanhado medidas em busca da efetivação de direitos fundamentais (RANGEL, 2014).

Nada obstante, podemos verificar a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos face à violação de direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro, de forma que os autores Ferreira e Araújo trazem importante síntese acerca de caso ocorrido na Casa de Detenção José Maio Alves, ao passo que houve aplicação de medidas provisórias pela Corte Interamericana de Direitos Humanos:

A Casa de Detenção José Mario Alves, conhecida como Cárcere Urso Branco, localizada em Porto Velho, Rondônia (2002-2011) foi objeto de medidas provisórias ou provisionais pela Corte IDH, em 2002, em favor dos internos. O episódio dramático inicial envolveu a transferência das "celas de seguro" - destinadas a crimes considerados imorais pelos demais internos - e das "celas livres" - com certa liberdade de movimento no centro penal. O remanejamento dos detentos de ambas as celas de seguro nas celas da população carcerária em geral por decisão judicial acabou por desencadear um “homicídio sistemático” de diversos internos da “cela de seguro”. Em 2 de janeiro de 2002, o grupo de choque ingressou no cárcere e encontrou 45 corpos dos internos. Alguns foram decapitados e outros tiveram braços e pernas mutilados. O governo informou que haviam falecido um número inferior: 27 pessoas. As condições do presídio como um todo violavam direitos humanos. A Corte IDH chegou a determinar que o Estado retirasse as armas do poder dos internos e investigasse os fatos que motivaram a adoção das medidas provisórias. Nos anos seguintes, diversas medidas provisórias foram deferidas, apontando violações aos direitos humanos, especialmente à vida e à integridade, que permaneceram ou novas em razão da superlotação, a necessidade de separação dos detentos e de responsabilidade penal e administrativa dos envolvidos. (FERREIRA; ARAÚJO, 2016, p. 73)

 

Há que se citar ainda, importante ação da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso do Complexo do Tatuapé da Fundação de Bem-estar do Menor (FEBEM), depois convertida em Fundação Casa, localizado no Estado de São Paulo (2005-2008):

No caso do Complexo do Tatuapé da Fundação de Bem-estar do Menor (FEBEM), depois convertida em Fundação Casa, localizado no Estado de São Paulo (2005-2008), a Corte IDH adotou medidas em relação à FEBEM que fora criada em 1976 para ressocializar menores infratores através de medidas socioeducativas, que já contava com 77 unidades com 6.800 crianças e adolescentes internados sob custódia do estado. Houve diversas violações aos direitos fundamentais, como a morte de Alessandro da Silva, supostamente por cair do telhado; Jonathan Felipe foi morto com dois tiros da cabeça; e Cleber Nogueira por não receber o tratamento contra AIDs. Houve um motim nas Unidades 12 e 23 da FEBEM, com reféns, feridos, fogo em colchões, protestos, fugas massivas e mortos. A Corte IDH, considerando a extrema gravidade, urgência e o risco de danos irreparáveis aos direitos humanos à vida e à integridade, deferiu a medida provisória para proteger tais direitos das crianças e pessoas no complexo. Diversas medidas provisórias foram deferidas até a desativação do Complexo do Tatuapé. Na MP de 17 de novembro de 2005, considerando os acontecimentos, a Corte IDH, reconheceu a extrema gravidade, urgência e a necessidade de evitar danos irreparáveis ao direito à vida e integridade física das crianças e dos adolescentes privados de liberdade no referido centro e que "estão em grave risco e vulnerabilidade" A Corte IDH deferiu a MP para que o Estado adote de forma imediata medidas para proteger tais direitos das crianças e pessoas no complexo.(FERREIRA; ARAÚJO, 2016, p. 76)

 

Portanto, diante do presente estudo, verifica-se de extrema relevância a atuação do Supremo Tribunal Federal – STF, ao declarar o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro no julgamento da ADPF nº 347, em 2005, o que por si só, traz o reconhecimento em âmbito interno da violação de direitos humanos, possibilitando a atuação do Poder Judiciário, bem como ações da Corte Interamericana de Direitos Humanos em casos específicos de violação de direitos humanos em penitenciárias brasileiras.

Nada obstante, vez que tais medidas se mostram posteriores às violações, a fim de solucionar a problemática da presente pesquisa, no subtítulo subsequente, traz-se a análise acerca da efetividade do trabalho no sistema prisional brasileiro bem coo as políticas públicas existentes para ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade.

 

 

CAPÍTULO 3 A EFETIVIDADE DO TRABALHO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

 

 

Com o propósito de verificar a efetividade da normativa brasileira acerca da ressocialização do condenado, faz-se necessária uma análise pormenorizada acerca do trabalho e sua aplicação no sistema prisional brasileiro.

Assim, passa-se a análise da função jurídica e social do trabalho e suas consequências no cumprimento da pena privativa de liberdade.

Em prosseguimento, faz-se a apuração das políticas públicas para ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade, sobrepondo aspectos positivos e negativos.

Por fim, com um subtítulo introdutório à conclusão, há o estudo de caso da efetividade e aplicabilidade do trabalho no sistema prisional brasileiro

 

 


 

3.1 A função jurídica e social do trabalho e suas consequências no cumprimento da pena privativa de liberdade

 

 

Ao adentrar ao estudo do trabalho, tem-se sua importância como aspecto da vida humana atualmente organizada em sociedade, de forma que, do ponto de vista do condenado à pena privativa de liberdade, se trata de meio fundamental para sua reinserção em sociedade.

Deste modo, expõe o autor Rios (1994, p. 30), sobre a evolução do trabalho penitenciário, nos seguintes moldes:

Em relação ao trabalho penitenciário, o texto que alterou a parte geral do Código Penal, Lei nº 7209/84, dedicou atenção especial aos direitos sociais do preso, bem como ao trabalho remunerado e aos benefícios da previdência social. (artigos. 38 e 39). Essa atenção do legislador penal veio a ser corroborada na Lei de Execução Penal nos seus arts. 28, 29, 41, inc. I e II.

 

Nada obstante, verifica-se que no âmbito penitenciário se denota como importante ferramenta ressocializadora, sendo ainda, considerado do campo de vista teórico, como um instrumento educativo:

O trabalho é um mecanismo valioso para a obtenção da reabilitação social. Do ponto de vista teórico é um verdadeiro instrumento educativo como dispõe o art. 28 da LEP: “O trabalho do condenado como dever social de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.” (RIOS, 1994, p. 42-43)

 

Ainda, para o autor Albergaria (1993, p. 149), o trabalho é um instrumento para moldar o caráter, ao atuar no autodomínio e dar-lhe uma profissão que poderá desempenhar quando estiver novamente em sociedade:

O trabalho é considerado do ponto de vista educativo e humanitário, pois é um dos elementos do tratamento penitenciário. Colabora na formação da personalidade do recluso, ao criar-lhe hábito de autodomínio e disciplina social, e dá ao interno uma profissão a ser posta a serviço da comunidade livre. Na participação das atividades do trabalho o preso se auto aperfeiçoa e prepara-se para servir á comunidade.   

 

No entanto, quanto à função social do trabalho penitenciário, tem-se que não deve ser posta como um agravamento da pena, justamente visando impedir o bis in idem e trabalho forçado, mas sim como um mecanismo de reeducação e reintegração social, humanizando o condenando e concedendo-lhe um ofício que o tire do ócio (RIOS, 1994).

Justamente por tal aspecto, é que o autor Rios (1994, p. 54), traz a ideia de que o trabalho penitenciário há que ser remunerado:

O trabalho do preso deve ser remunerado não apenas através do pagamento de pecúlio, a cargo do Estado, mas propiciando-se ao interno uma ocupação rendosa que tenha uma direta relação de proporcionalidade com seu ganho. Para o preso institucionalizado o trabalho é um valor negativo, mas o dinheiro é um valor positivo. Conjugar esses dois valores, para que o interno, objetivando o fim (dinheiro), habitue-se com o meio (trabalho), é uma estratégia necessária. 

 

Assim, para que o trabalho penitenciário cumpra sua função jurídica como meio de ressocialização, mas também sua função social como instrumento de dignidade humana, verifica-se que deve se atentar à questões como idade, saúde e cultura do preso, bem como propiciar o desempenho de trabalho especializado e remunerado (LUZ, 2000).

Diante da possibilidade de trabalho penitenciário tem-se a remissão de pena como direito do preso e instrumento de incentivo ao labor, podendo ser definida como:

A possibilidade de o preso abater, do cômputo temporal da pena privativa de liberdade, os dias efetivamente trabalhados durante o seu encarceramento, na proporção, conforme o art. 126, § 1º da Lei de Execução Penal, de três dias de trabalho por um de pena. (ALVIM, 1991, p. 79)

 

O trabalho é, portanto, um direito subjetivo do preso em face do Poder Público, de forma que a remição de pena deverá ser deferida para os condenados que desejam trabalhar, mas não o fazem devido ao fato de o Estado não fornecer as condições adequadas para tanto (ALVIM, 1991).

Ressalta ainda, o autor Leal (2004, p. 65), que ao dever de trabalhar por parte do condenado, corresponde o dever estatal de proporcionar ao preso a oportunidade de exercer, com intelectiva e que seja viável em face dos limites da realidade penitenciária.

Isto posto, o trabalho penitenciário possui função jurídica e social indissociável do objetivo ressocializador, de modo que propicia dignidade ao preso (desde que seja um tipo de trabalho compatível com sua aptidão física e intelectualmente estimulante), de forma que se passa a análise de outras políticas públicas existentes para a ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade como instrumento de reintegração social.

 

 

3.2 Políticas públicas existentes para ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade

 

 

Diante de toda perspectiva no campo legislativo para a ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade, verifica-se que, apenas por meio de políticas públicas será possível alcançar sua efetividade, de forma que nas palavras de Celina Souza (2006, p. 37), a política pública: “[...] permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz”.

Assim, tem-se que o campo da política pública se trata da área do conhecimento que busca “colocar o governo em ação”, de forma que as políticas públicas podem ser enxergadas como uma área de estudo de produção e implemento de normas (SOUZA, 2006).

Deste modo, ao verificar as políticas públicas para ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade, cumpre trazer em um primeiro momento, o aspecto voltado à educação, sendo este um dos principais campos para efetividade da ressocialização. Assim, conforme expõe o autor Mori, no campo da educação, denota-se de extrema relevância o Plano Estratégico da Educação do Sistema Prisional:

Pensando na ressocialização e na redução da desigualdade social a partir do conhecimento, foi criado o Decreto nº 7.626/2011, estabelecendo o Plano Estratégico da Educação no Sistema Prisional, buscando alcançar o maior número de pessoas dentro do cárcere para serem qualificadas. A escola, dessa forma, dentro e fora do cárcere, é responsável em formar indivíduos cidadãos, com capacidade de ver, transformar a realidade e conquistar seu espaço social, além, neste caso, de evitar a exclusão social. (MORI, 1997, p. 52)

 

Ainda, ao verificar a aplicação prática da escola no sistema prisional, verifica-se que se trata de escolarização específica, vez que, além de atribuir aos apenados conhecimentos no campo básico (como história, português, matemática), também deve buscar reflexões sobre valores e competências que possam ser internalizadas pelo apenado, tornando-se enfim, um sujeito de direitos e deveres:

A escola na prisão vai além da escola “normal”, uma vez que, ela não procura socializar o sujeito para viver em sociedade como esta, mas sim, atribui ao apenado, conhecimentos, valores e competências que lhe possibilitam caracterizar-se como sujeito de direitos, oportunizando lhe uma proposta de vida futura. (ONOFRE; VIEIRA, 2013, p. 35)

 

Constata-se ainda, conforme estudo realizado na 4ª Região Penitenciária do Rio Grande do Sul, entre os anos de 2014 e 2017, pelo autor Picolotto, que no campo prático, há muitos desafios educacionais a serem enfrentados para que haja a implantação igualitária do sistema educacional nos presídios, de forma que atualmente, o sistema se denota falho:

Quanto a realidade educacional da região percebeu-se que não há uma igualdade da implantação da educação em todos os presídios, face vários fatores, como falta de estrutura, ausência de professores, avarias nos estabelecimentos prisionais, entre outros. Dos 11 presídios que abrangem a 4ª DPR, 6 possuem o ensino implantado (Presídio Regional de Passo Fundo, Presídio Estadual de Lagoa Vermelha, Presídio Estadual de Sarandi, Presídio Estadual de Palmeira das Missões, Presídio Estadual de Carazinho e Presídio Estadual de Frederico Westphalen) e destes, apenas 3,8% da população carcerária frequentou aula dentro dos estabelecimentos prisionais. O Presídio Estadual de Frederico Westphalen é o mais ativo, possuindo 22,1% dos apenados frequentadores de aulas. (PICOLOTTO, 2022, p. 179)

 

 

Ainda, em Santa Catarina, verifica-se políticas públicas voltadas para educação, por meio da construção de um Plano Político Pedagógico:

Em Santa Catarina, no ano de 2012, uma parceria entre Secretaria de Estado da Educação (SED) e Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (SJC), possibilitou a elaboração de um Plano Estadual de Educação em Prisões (PEEP). Dentre seus objetivos destacam-se o oferecimento de educação para os presos e a construção de um Plano Político Pedagógico (PPP) nas unidades prisionais. Mas mesmo antes disso já eram ministradas aulas no interior de inúmeros estabelecimentos penais, não apenas em Santa Catarina, mas em diversos outros Estados brasileiros. (PICOLOTTO, 2022, p. 180)

 

Por sua vez, no âmbito do Estado de São Paulo, em se tratando de políticas públicas no campo educacional, visando a ressocialização dos presos, cumpre destacar informativo de que: “[...] o Governo de São Paulo deu continuidade às medidas de segurança na administração do sistema penitenciário paulista e avançou em ações com foco na ressocialização dos presos. Foram ampliadas a oferta de cursos de capacitação profissional e ações voltadas para a geração de trabalho e renda da população carcerária, que soma mais de 195 mil pessoas. Em um único convênio assinado em parceria com o Governo Federal, no valor de R$ 10 milhões, 20 oficinas de capacitação profissional em 19 unidades prisionais do Estado começaram a ser aplicadas, sendo cinco delas de corte e costura em cinco unidades prisionais do Estado.”[3]

Nada obstante, ainda no âmbito do Estado de São Paulo, verifica-se a implementação de políticas públicas voltadas a saúde dos presos, como: (i) TeleSAP – por meio do oferecimento de consultas online para a população carcerária, evitando deslocamentos e contribuindo para a segurança pública; (ii) acompanhamento padronizado para gestantes e puérperas - as presas grávidas e puérperas são acompanhadas na unidade básica de saúde mais próxima da prisão, evitando deslocamentos para hospitais; e (iii) serviço móvel de saúde - exames para agentes e funcionários do sistema prisional, como aferição de pressão arterial e medição da taxa de glicose no sangue[4].

No campo profissional, também há informativo de que: “[...] foi assinado um segundo convênio, já em andamento, que oferece 9 mil vagas em cursos de capacitação e qualificação profissional para reeducandos, egressos do sistema prisional e familiares, por meio de parceria com o terceiro setor. Ainda na área de ressocialização, o Governo de SP inaugurou duas Unidades de Atendimento e Reintegração Social, uma em Barueri e outra em Guaíra. As duas contam com os serviços da Central de Penas e Medidas Alternativas (CPMA), responsável pelo acompanhamento e execução do Programa de Prestação de Serviço à Comunidade, trabalho que encaminha os detentos para diferentes instituições, onde cumprem a pena de acordo com a profissão, graduação, conhecimentos ou habilidades que já possuíam anteriormente, e também com os serviços da Central de Atenção ao Egresso e Família (CAEF), que promove ações voltadas à educação, saúde, geração de trabalho e renda, apoio psicossocial e jurídico. Atualmente, 92 CPMAs e 58 CAEFs estão em funcionamento em todo o Estado de São Paulo.”[5]

Nessa acepção, nota-se a existência de políticas públicas para ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade, em alguns Estados do Brasil. Ocorre que, como bem exposto nesta pesquisa, há diversas violações de direitos humanos que ainda ocorrem e que acabam por dificultar a efetividade de tais políticas, a citar o encarceramento em massa e a superlotação dos presídios (SOUZA, 2006).

Assim, diante de tais obstáculos encontrados no campo fático do instituto de ressocialização dos condenados, necessário se faz um estudo de caso mais aprofundado da efetividade e aplicabilidade do trabalho no sistema prisional brasileiro.

 

 

3.3 Estudo de caso da efetividade e aplicabilidade do trabalho no sistema prisional brasileiro

 

 

A fim de se verificar a aplicabilidade do trabalho no sistema prisional brasileiro, passa-se a análise de estudo de caso, ocorrido no Estado do Paraná, com a construção da Primeira Penitenciária Industrial do país, destinada a presos condenados do sexo masculino, em regime fechado, concomitantemente ao exercício de labor, comportando até 240 internos.

Assim, conforme se verifica do site do Sistema Penitenciário do Paraná: “Inaugurada em 12 de novembro de 1999, está localizada no Município de Guarapuava, distante 265 km de Curitiba e tem capacidade para abrigar até 240 presos.”[6]

Acerca da construção da Penitenciária Industrial de Guarapuava, tem-se que foi construída com recursos dos Governos Federal e Estadual, de forma que o custo total, incluindo projeto, obra e circuito de TV foi no valor de R$ 5.323.360,00, sendo 80% provenientes de Convênio com o Ministério da Justiça e 20% do Estado.

Tem-se assim, que a unidade foi concebida e projetada objetivando: “[...] o cumprimento das metas de ressocialização do interno e a interiorização das Unidades Penais (preso próximo da família e local de origem), política esta adotada pelo Governo do Estado do Paraná, que busca oferecer novas alternativas para os apenados, proporcionando-lhes trabalho e profissionalização, viabilizando, além de melhores condições para sua reintegração à sociedade, o benefício da redução da pena.”[7]

Acerca do trabalho desempenhado pelos detentos e remuneração, verificou-se que sua divisão é feita da seguinte forma: “No barracão da fábrica trabalham 70% dos internos da Unidade, em 3 turnos de 6 horas, recebendo como renumeração de 75% do salário-mínimo; os outros 25% são repassados ao Fundo Penitenciário do Paraná, como taxa de administração, revertendo esses recursos para melhoria das condições de vida do encarcerado. [...] Os custodiados que não estão implantados no canteiro da fábrica trabalham em outros canteiros, tais como: faxina, cozinha, lavanderia e embalagens de produtos. Todos recebem remuneração (75% do salário-mínimo) e o benefício da remição de pena (1 dia remido a cada 3 dias trabalhados). Os canteiros de trabalho funcionam em 3 turnos de 6 horas, possibilitando que todo o tratamento penal (atendimento jurídico, psicológico, médico, serviço social, odontológico, escola, atividade recreativa) seja executado no horário em que o interno não está trabalhando.”[8]

Deste modo, o que se observa é a organização mediante turnos, bem como remuneração em 75% do salário-mínimo e remissão de pena (para cada 3 dias trabalhados, é percebido 1 dia de pena remido), ao passo que os trabalhos são desenvolvidos na própria fábrica, ou ainda, em outras funções como, limpeza, cozinha etc.

Nada obstante, a fim de aprofundar o estudo de caso, fora localizado relatório emitido pela Defensoria Pública acerca de tal unidade penitenciária industrial, constando informação de que, em 12 de setembro de 2022, a Defensoria Pública do Estado do Paraná, e assessoria jurídica da execução penal, estiveram presente na unidade prisional, para realização de inspeção das condições das carceragens destinadas aos homens em regime fechado.

Assim, o Relatório da Defensoria Pública do Estado do Paraná inicia com um comparativo entre a situação encontrada ano de 2019 x 2020, evidenciando os esforços de todo corpo de trabalho presente na unidade prisional a fim de que pudessem ser efetivadas melhoras, nos seguintes termos: “Observou-se nas visitas realizadas na unidade, que há empenho dos servidores para melhoria contínua na infraestrutura, em diversos locais da unidade, inclusive em alguns espaços que já haviam sido identificados como precários em relatório de inspeção anterior (2019).”[9]

No entanto, em continuidade do Relatório, foi exposto fator preocupante e que compromete a qualidade de vida dos apenados, que se trata da superlotação:

A Penitenciária Industrial de Guarapuava – PIG – foi inaugurada no ano de 1999, projetada para abrigar 240 homens sentenciados, em 120 cubículos. Com a crescente demanda de pessoas adentrando sistema prisional, a gestão organizou recursos para a construção de uma terceira cama em cada cubículo, “aumentando as vagas” para 325. No entanto, no mês de setembro/2022 a unidade abrigava 493 pessoas (no relatório de inspeção de 2018, a lotação era de 317 presos), percentual de lotação de 52% acima do porte ideal, ou ainda, se considerarmos a o projeto inicial da unidade (que previa 240 vagas), a lotação ultrapassa o dobro do estimado: 105% acima do projetado. Isso nos remete a evidenciar que, em espaços de 2 x 3m, estão abrigados 4, até 05 homens. Deste universo de pessoas, nove (09) são idosas - acima de 60 anos; uma é estrangeira, uma indígena, seis pessoas com alguma deficiência (física, auditiva).

 

Nada obstante, foram reportadas algumas ocorrência em se tratando da infraestrutura da unidade, a citar: janelas sem vidros para proteção das baixas temperaturas e ou chuvas e banheiros que não preservam a intimidade.

Foram visitados alguns alojamentos que são, em geral, padronizados:  treliche de concreto sendo que a última cama fica a uma altura considerável e deve demandar de certa habilidade física para o acesso. O “corredor”, de piso bruto, acomoda mais um colchão para pernoite onde podem dormir uma ou duas pessoas. Há uma bancada de concreto onde são acomodados os pertences pessoais, de higiene e alimentação. A maioria conta com aparelho de televisão fornecido pelos familiares. A janela são pequenos espaços abertos, sem vidros para proteção das baixas temperaturas e/ou chuvas. O espaço para de banheiros ligeiramente separados do espaço de dormir, não preservando a privacidade. Os chuveiros não contam com água quente. A ala do “seguro”, em regra, abriga 05 sentenciados, sendo a galeria com maior superlotação da unidade.

 

Quanto ao acesso a saúde, assim fora reportado: “O atendimento de saúde apresenta algumas deficiências, vez que, dependem de fatores externos para a realização de atendimento mais especializado: disponibilidade de atendimento na rede de saúde municipal, dificuldades de acesso a exames mais complexos, entre outros complicadores que perpassam o tensionamento do Sistema Único de Saúde. Há também a falta de equipe de saúde própria, nos termos da legislação vigente, já que a unidade conta com apenas uma técnica de enfermagem e uma enfermeira.”[10]

No âmbito das atividades laborais, verificou-se boas/ótimas condições nas fábricas existentes, bem como divisão clara de tarefas, podendo-se citar: “163 presos estão implantados em canteiros de trabalho de empresas privadas, com remuneração de ¾ de salário-mínimo, sendo: 117 na Kadesh, 41 na Stillo Palitos e 05 Refeições Eldorado. Ainda, mais 53 pessoas estão implantadas nos canteiros internos (manutenção, lavanderia, faxina, barbearia, etc) que recebem o valor simbólico do pecúlio (R$70,00). Ambas as frentes contam com remição, que são juntadas periodicamente pela própria unidade nos processos de execução penal. Os diversos espaços de trabalho são em boas/ótimas condições, amplos, com iluminação adequada, bem organizados. Ressalta-se a ocorrência de inspeção da Procuradoria do Trabalho (Procuradora Luísa Carvalho Rodrigues), com a presença da Defensora Pública e da Assessora Jurídica subscreventes, em tais espaços em julho do presente ano.”[11]

Acerca do acesso à educação, consta do Relatório, ligeira melhora na quantidade de detentos matriculados, bem como a citação de projeto de remição pela leitura e curso de teologia, o que denota um engajamento da população carcerária e da equipe de educação com as atividades educacionais, culturais e de lazer: ”Com relação à educação, observa-se que também houve um avanço importante de acesso às aulas se comparado ao relatório de inspeção anterior (em dezembro de 2019, apenas 52 pessoas estavam efetivamente matriculadas nas atividades escolares). Atualmente são 56 matriculados na alfabetização, 197 no ensino fundamental, 68 no ensino médio, 100 participantes dos projetos de remição pela leitura e outros 50 participantes no curso de teologia [...].”[12]

Verificou-se ainda, ponto preocupante constante do Relatório, a respeito da baixa qualidade da alimentação fornecida, de forma que a Defensoria Pública do Estado do Paraná recebeu diversas denúncias, através dos detentos, mas também por seus familiares, acerca de alimentação fornecida de forma crua, quantidade insuficiente de proteína e com cheiros fortes:

A demanda que vem preocupando muito fortemente a equipe da Defensoria Pública é com relação à alimentação. As reclamações nos chegam de diversas formas: pelos sentenciados aos vários profissionais que prestam atendimentos na unidade, pelos familiares, pela rede de atendimento, sejam via telefone, mensagens ou presencialmente. As queixas são com relação à baixa qualidade, preparo indevido (alimentos mal-cozidos, com cascas e sem nada de tempero e/ou sal), peles e ossos no lugar de proteínas de origem animal ou vegetal (as fotos demonstram a quase inexistência de feijão na refeição), além das porções parecerem estarem vindo cada vez menores. Verifica-se ainda a ausência de frutas no cardápio semanal e a falta de diversidade no envio de salada, pois receberiam somente repolho ou beterraba, muitas vezes já azedado/com casca.

 

Por fim, a Defensoria Pública do Estado do Paraná, conclui seu Relatório de forma objetiva e listando uma série de recomendações para que sejam implementadas, visando o alcance de direitos humanos fundamentais, a citar: necessidade de diminuição da população carcerária diante do quadro de superlotação da unidade; melhoria na alimentação; acompanhamento de assistência social e outros profissionais; necessidade de garantia a todos os custodiados banhos de sol diários por, no mínimo, duas horas diárias, cumprindo, desse modo, o decidido pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus coletivo (HC) 172136; entre outros.

Portanto, diante do estudo de caso da aplicabilidade da legislação pátria frente à realidade encontrada, incumbe assim, a conclusão da presente pesquisa, com o apontamento de possíveis soluções para a problemática apresentada, conforme adiante passa a expor.

 

 


 

CONCLUSÃO

 

A presente pesquisa teve como objetivo a análise da efetividade do trabalho penitenciário como instrumento ressocializador no cumprimento de pena privativa de liberdade. Em um primeiro momento, buscou-se verificar a função da pena no direito processual penal brasileiro, bem como os desafios existentes na execução penal da pena privativa de liberdade. Em prosseguimento, buscou-se analisar a efetividade do trabalho no sistema prisional brasileiro, com enfoque no estudo de caso e políticas públicas.

Assim, ao tratar sobre o sistema processual penal brasileiro adotado, verificou-se a evolução do sistema, que anteriormente era destinado apenas ao alcance da punição extrema, sem a garantia de direitos ao acusado ou condenado. Deste modo, por meio do estudo, constatou-se que o sistema adotado pelo Brasil se trata do sistema acusatório, regido pelo princípio da imparcialidade do órgão julgador, democracia, publicidade, possibilitando a fiscalização pela própria sociedade dos atos praticados.

Também se verificou outro aspecto importante: as finalidades da pena e sua função ressocializadora. Notou-se que a função da pena se vincula com a própria função do direito penal, ao passo que são observadas por meio de três teorias distintas: Teoria Absoluta, Teoria Relativa ou Utilitária e Teoria Mista, de forma que no Brasil é adotada a Teoria Mista - na qual a pena busca a retribuição do mal causado pelo indivíduo, mas também, busca evitar a prática de novos crimes.

E, justamente para se evitar a prática de novos crimes é que se verificou a imprescindibilidade da função ressocializadora da pena, a fim de que sejam assegurados mecanismos e condições para que o condenado retorne à sociedade, como sujeito de direitos e deveres.

Nada obstante, quanto ao mecanismo em âmbito interno para garantia de direitos humanos dos apenados, verificou-se a extrema importância da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP), que não se limita aos aspectos administrativos da execução da pena, mas também trata de aspectos obrigatórios para que seja assegurada a vida e integridade física e moral do condenado, se tratando de legislação precursora nesse sentido, que traz o direito ao trabalho como uma das garantias a serem observadas aos condenados em regime fechado.

Em continuação, foram apontados os desafios existentes na execução penal da pena privativa de liberdade, sob a ótica do sistema prisional brasileiro em face dos direitos humanos. Assim, o que se observa é que, embora na teoria haja um sistema prisional igualitário e que promova o alcance de direitos fundamentais dos condenados, no campo fático, a realidade é totalmente diversa, vez que estamos diante de um sistema seletivo e que não assegura a integridade física e moral dos condenados.

Nesta esteira, fora possível apurar diversos problemas apresentados pelo sistema prisional brasileiro em violação aos direitos humanos, como: a superlotação dos presídios, falta de acesso à saúde, ausência de estrutura, ausência de perspectiva de ressocialização, entre outros.

As violações aos direitos humanos ocorrem em diversos campos e foram apontadas por diversos autores, bem como por meio de pesquisas, ao passo que se revelou condições sub-humanas presentes nos presídios brasileiros, com número inadequado de condenados por celas, em condições degradantes, sendo relatados inúmeras ocorrências de violência, seja institucional, bem como por parte dos próprios condenados.

Deste modo, em âmbito internacional, considerando a ocorrência de violação de direitos humanos de condenados à pena privativa de liberdade, há a Convenção Americana de Direitos Humanos (também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica), sendo o principal tratado internacional que assegura a proteção de todas as classificações de direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais).

Diante da pesquisa, notou-se que a Convenção Americana de Direitos Humanos foi assinada pelo Brasil na vigência da Constituição de 1967, e a sua ratificação se deu sob a Constituição Federal de 1988, ao passo no julgamento do RE nº 466.343, com repercussão geral (Tema nº 60), os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram que os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos, se não incorporados como emenda constitucional, têm natureza de normas supralegais, paralisando, assim, a eficácia de todo o ordenamento infraconstitucional em sentido contrário.

Deste modo, a Convenção Americana de Direitos Humanos, estabelece direitos que se aplicam à pena de prisão e que devem ser objeto de aplicação por parte de todos os países signatários, a citar: (i) o tratamento da pessoa privada de liberdade com respeito e dignidade; (ii) a separação dos condenados e processados; (iii) o julgamento de menores em separado dos adultos; (iv) o objetivo principal das penas privativas de liberdade devem ser a reforma e readaptação social dos condenados; (v) proibição de aplicação de pena de morte em delitos políticos ou para menos de 18 anos, maiores de 70 anos ou mulheres grávidas; e (vi) o direito do acusado em ser assistido por um defensor público e a exigir que o processo seja sigiloso.

No entanto, em que pese tais normativas, que abarcam todos esses direitos ao condenado, o que se observa no campo fático é um cenário totalmente diverso da norma posta, havendo inclusive, a omissão do Estado quanto à situação do sistema carcerário brasileiro, o que acaba por agravar a inefetividade da Lei de Execução Penal.

Nesse sentido, o que se verifica é a ausência de efetividade das normas em sua completude, face a um sistema penitenciário que mais se importa em prender a todo custo, sem prover direitos e garantias básicos e consequentemente, inviabiliza a ressocialização do condenado.

Em continuidade, através da análise acerca da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro reconhecido pelo STF, verificou-se importante atuação do STF ao declarar o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema penitenciário no julgamento da ADPF nº 347, em 2005, o que traz por si só, maior veracidade acerca das violações de direitos humanos nos presídios, restando incontroversas.

Ainda conforme pesquisas, foi possível verificar a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos face à violação de direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro, podendo-se citar os casos da Casa de Detenção José Mario Alves (conhecida como Cárcere Urso Branco) e Complexo do Tatuapé da Fundação de Bem-estar do Menor (FEBEM), depois convertida em Fundação Casa, localizado no Estado de São Paulo.

Em prosseguimento, ao analisar a efetividade do trabalho no sistema prisional brasileiro, de pronto, verificou-se que o trabalho possui função jurídica e função social no âmbito do cumprimento de pena em regime fechado. Isso porque, sua função jurídica está ligada ao instituto da remição de pena, bem como à própria função ressocializadora da pena. De igual forma, sua função social foi observada na construção do caráter e dignidade do preso, bem como possibilidade de conferir ao preso o entendimento de sua utilidade para a vida em sociedade.

Destarte, diante de toda perspectiva no campo legislativo para a ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade, ao analisar as políticas públicas existentes para o alcance de sua efetividade, foi possível encontrar registros de ações no Estado do Rio Grande do Sul, Estado de Santa Catarina e Estado de São Paulo, destacando-se medidas na área do trabalho.

Em relação à educação, verificou-se políticas públicas de extrema relevância, porém, apenas em âmbito estadual, mas que visam estabelecer o acesso à educação por parte dos condenados, bem como uma visão ampla sobre o exercício da cidadania.

No tocante à área da saúde, foram apontadas políticas públicas no Estado de São Paulo, visando a realização de exames, conscientização sobre doenças, bem como atendimento às condenadas que se encontram em estado gravídico e puérperas, e outras condições de saúde específicas.

Adentrando ao estudo de caso realizado acerca da Primeira Penitenciária Industrial do país (Penitenciária Industrial de Guarapuava), verificou se tratar de avanço no sistema prisional brasileiro, com destinação à presos condenados do sexo masculino, em regime fechado, possibilitando o cumprimento da pena, concomitantemente ao exercício de trabalho.

Deste modo, a criação de referida Penitenciária Industrial buscou o cumprimento das metas de ressocialização do interno, proporcionando-lhes trabalho e profissionalização, viabilizando, além de melhores condições para sua reintegração à sociedade, o benefício da remição de pena (1 dia remido a cada 3 dias trabalhados).

Acerca do trabalho desempenhado pelos detentos e remuneração percebida, tem-se que 70% dos internos trabalham na própria fábrica e os demais em serviços internos como faxina, cozinha, lavanderia e embalagens de produtos, recebendo como renumeração a quantia de 75% do salário-mínimo, sendo os outros 25% repassados ao Fundo Penitenciário do Paraná, como taxa de administração, revertendo esses recursos para melhoria das condições de vida do encarcerado.

Por meio do aprofundamento da pesquisa, foi possível verificar um Relatório emitido pela Defensoria Pública do Estado do Paraná, acerca de tal unidade Penitenciária Industrial, de forma que foi reportado, no âmbito das atividades laborais, boas/ótimas condições nas fábricas existentes, com diversos espaços de trabalho amplos, com iluminação adequada e bem organizados.

No entanto, um dos principais fatos expostos pelo citado Relatório e que compromete a qualidade de vida dos apenados, se tratou da superlotação. Assim, conforme relatado, no mês de setembro/2022 a unidade abrigava 493 pessoas (no relatório de inspeção de 2018, a lotação era de 317 presos), percentual de lotação de 52% acima do porte ideal, ou ainda, se considerarmos o projeto inicial da unidade (que previa 240 vagas), a lotação ultrapassa o dobro do estimado: 105% acima do projetado.

Também foram reportadas algumas ocorrências em se tratando da infraestrutura da unidade (janelas sem vidros para proteção das baixas temperaturas e ou chuvas e banheiros que não preservam a intimidade); deficiência no acesso dos apenados ao direito à saúde; e baixa qualidade da alimentação fornecida.

Assim, para o alcance da dignidade da pessoa humana, em atenção às recomendações da Defensoria Pública do Estado do Paraná, verificou-se como necessária a diminuição da população carcerária diante do quadro de superlotação da unidade; melhoria na alimentação; acompanhamento de assistência social e outros profissionais; entre outras providências.

Posto isso, os desafios existentes na efetividade do trabalho penitenciário como instrumento ressocializador no cumprimento de pena privativa de liberdade, envolvem a precariedade do sistema carcerário brasileiro, podendo-se citar como maior desafio, a superlotação dos presídios, que acaba por desencadear o difícil acesso do direito ao trabalho penitenciário, e por conseguinte, na remição da pena pelo trabalho, ou ainda, mesmo que o trabalho seja assegurado (como no caso da Penitenciária Industrial de Guarapuava), tem-se que a superlotação acaba por culminar na violação de direitos básicos como: alimentação de qualidade, acesso à saúde, educação, entre outros.

Fato é que, para que a ressocialização possa ser efetivada por meio do trabalho penitenciário, há que se assegurar direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, vez que apenas por meio de um conjunto de direitos assegurados, é que se poderá reintegrar à sociedade, em sua completude, aquele que foi privado de sua liberdade e que, por vezes, já não se enxerga mais como um sujeito de direito e deveres.

Quanto aos mecanismos jurídicos e políticos que estão à disposição dos condenados à pena privativa de liberdade para que lhes seja assegurado seu direito à ressocialização, verificou-se a existência de farta legislação neste campo (incluindo normas internacionais), bem como a existência de políticas públicas, conforme noticiado por alguns Estados do Brasil.

No entanto, no campo fático, não foram encontradas iniciativas concretas por todo país. Ao contrário, verificou-se que o trabalho penitenciário ainda está restrito a poucas unidades penitenciárias, de forma que para sua efetividade, se faz necessário o aumento de convênios com empresas privadas e ou serviço público, bem como a construção de mais penitenciárias com infraestrutura para o trabalho e que beneficiem todos os gêneros de condenados.

Diante de toda pesquisa, conclui-se que a aplicabilidade da legislação pátria para assegurar a ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade, por meio do trabalho, apenas pode se dar através de políticas públicas concretas e eficientes no campo fático, bem como em conjunto com a efetivação de direitos fundamentais, o que atualmente se mostra ineficiente face à realidade enfrentada. Conforme estudo, as políticas públicas são ações que visam a aplicabilidade das normas e no que concerne à ressocialização de condenados às penas privativas de liberdade, por meio do trabalho, necessitam de maior investimento por parte estatal, bem como continuidade de estudos e pesquisas acerca do tema.

 

 

 

 


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